Tinha tudo para ser um dia bom, e não foi. Acabara de chegar de um manicômio, e acabara de chegar em outro: meu lar. Não basta chegar quieta e dirigir-se para o seu ninho, é preciso de todo um repertório. E eu não estava afim, não mesmo. Preferia ir para o último cômodo dali e acabar de ler um livro que ainda estava pela metade. Impossível ou possível? O importante é que não acabei, restaram poucas páginas. Eu já estava tão irada, tão louca de raiva que um comentário fútil me faria uma doida digna de hospício. Com direito a camisa de força e injeções. Me daria a coragem de pegar a mais afiada faca e enfiá-la perto do coração, para não ter que morrer, apenas para lembrarem que eu existo. Me daria a vontade de fujir daquele horrendo lugar e batalhar por tudo o que eu queria, conseguir, e esfregar na cara de todos e gritar, cuspir: ‘Oooolha, agora implorem por a minha presença, que eu não vou querer dar’. E fiquei, fiz, saí. Efêmero. Entrei no banheiro quase bufando, bati a porta e logo em seguida arranquei toda a roupa, principalmente o sutiã, que por mais incrível que pareça, hoje o vi por inteiro. Comecei a chorar de tanto ódio que sentira, sentia. Liguei o chuveiro e fiquei lá, me apoiando na parede e sentindo uma água fria descer e depois descer novamente pelo ralo. Meu choro era tanto que as lágrimas se misturavam com a água, e eu ainda conseguia sentir o quente e o doce das lágrimas passar pelos meus lábios, longe um do outro. Eram gritos desesperados. Gritos calados. E ali havia a presença da ilustre Rainha. Rainha das idiotas. Eu culpava Deus por tudo o que havia de errado em minha vida, por tudo o que eu queria e não tinha. Olhava para cima e tentava gritar o mais baixo possível: ‘Tudo culpa tua! Por quê não me destes tudo? Não é tão fácil para você? Então faça!’. Hoje, depois de lembrar desta cena ridícula, vejo o meu olho vermelho e inchado. Meus pais olhando com cara de dó para mim. Minha irmã rindo. Eu aqui. Nada adiantou, continuou tudo o mesmo.
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